Dona Nildinha, avó do nosso amigo Considerado, coloca a saída de praia, calça a sandálias de salto, maiô nas cores verde e laranja, laço azul no cabelo, se olha bem no espelho, pega a bolsa e segue para a praia. Dia de sábado, sol a pino e ela toda feliz para pegar um bronze, como sempre fez na juventude, quando se estirava na areia quase que ensopada com um bronzeador à base de óleo de amendoa e babosa. Se sentia a rainha do mar.
Da foz do Salgadinho até a Pajuçara, segue caminhando e cantoralando “Maceió minha Sereia”…
No meio do caminho encontra um grupo de jovens, todos brancos, exibindo músculos construídos à base do famoso Potenay, vestidos em camisetas nas cores da bandeira brasileira, que gritavam a plenos pulmões: “Pão com mortadela”! “Pão com Mortadela”!
Do outro lado da rua ela vê outro grupo miscigenado, alguns barbudos, mas todos de vermelho, bandeiras tremulando, igualmente ao berros: “Coxinhas”! “Coxinhas”!
No meio da zuada dona Nildinha ficou atônita. Julgou-se insultada, pois tinha a certeza que os dois grupos estavam tirando onda com ela. Olhou-se bem, de cima abaixo, viu as penas, percebeu que já não tinha mais uma coxinha como antigamente, mas não encontrou nada de anormal, a não ser as varizes.
Abriu a bolsa para olhar se tinha colocado algum pão com mortadela dentro, mas logo lembrou que prefere sanduíche natural de cenoura. Assim, contrariada com a algazarra, devolveu o xingamento: “Coxinha é a mãe de vocês”! Olha para o outro grupo e dispara: “Pão com mortadela é a vovózinha”!
Estava disposta à briga. Tirou do pé uma das sandálias de salto grosso e se preparava para atacar o primeiro que se aproximasse, quando, enfim, o neto aparece para livrá-la da encrenca que arranjou sem necessidade.
-A senhora está ficando doida vó?
-Doida o quê, Considerado, você não está vendo esse povo me esculhambando?
-Não é nada com a senhora eles estão brigando por outra coisa…
-Coisa nenhuma, estavam me chamando de coxinha e eu nunca dei essa liberdade!
-Esse pessoal é da política vó…
-Eu não sei de política não. Eu nunca dei liberdade a ninguém…
-Menos vó, menos… Eu vi como a senhora ficou quando eu fui fazer aquele exame do novembro azul.
-Quem fez o exame foi você não fuiu eu não.
-Sim, mas a senhora quase come o médico com os olhos.
-Me respeite seu filho de uma égua!
-Eu só estou dizendo que a senhora não é nenhuma santa. Lá ficou dizendo que o médico era isso, era aquilo,,,
-Achei o médico bonitão, perguntei o nome dele só isso.
-Não parou de olhar pra ele e fez até um comentário sobre o tamanho do dedo dele, vó. Tá lembrada?
-Olhe, chega. Vamos embora daqui que não aguento isso não…
Considerado cumpriu à risca a determinação da velha e a tirou do meio fuzuê, onde estavam quase se engalfiando os prós e os contras a presidente Dilma Rousseff. Levou-a à Pajuçara e lá também ficou tomando sol. Mas, enfim, ela quis saber por que aquela confusão quando passava na praça da Liberdade.
-Olha vó, os de vermelho chamavam os branquelos, de verde e amarelo, de Coxinhas. E esses chamavam os outros de Pão com Mortadela.
-Que coisa mais sem graça.
-Também acho, mas eles gostam…
-Quer saber mesmo o que acho meu filho?
-O que vó?
-Que aquele povo todo ali deveria fazer fila no consultório pra passar o que você passou…
-Aí é brincadeira né?
-Brincadeira não, mas eu gostaria de vê-los aguentar sorrindo o novembro azul do Dr Coleguinha…
-Já vi que a senhora não esquece mais esse médico.
-Um homem com um dedo daquele quem vai esquecer. Nem tu Considerado!
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