Dona Nildinha, avó do nosso amigo Considerado, amanheceu hoje calçada nos tamancos e tentando o exercício da paciência para não explodir o verbo na sexta-feira da paixão. Há mais de uma semana que ela anda agoniada. Nada consigo, propriamente, mas com o neto.
Considerado já está há mais de 20 dias sem sair de casa. Trancou-se no quarto e não quis saber de ninguém. Anda cabisbaixo, meio depressivo e, obviamente, passou a preocupar todo mundo. Liga a mãe, os companheiros de copo da Confraria do Rei, do Grutinha, enfim, dos bares onde costuma andar e nada a declarar. Só atende o amigo Batoré.
Dona Nildinha chegou para vizinha e disse que já pensou em chamar uma ambulância do Portugal Ramalho para levá-lo. “Se não for doença grave, com certeza é dor de corno”, disse ela.
Depois de apelar para as orações, gentilezas de toda ordem – e não ser atendida – ela resolveu bater na porta do quarto com o salto do tamanco. Deu certo. Ele não suportou o labafero dentro de casa e abriu à porta.
-Você endoidou, está com Zika, Chikungnya ou levou gaia, meu filho? – A velha foi direta. Sonolento, Considerado se disse preocupado, mas não estava a fim de falar sobre seus problemas. –Não pode ser. Você mora aqui, come e bebe de graça; que problemas você tem? Depois disso ele percebeu que precisaria desabafar e encontrar uma solução para seu estado depressivo.
-Desembuche logo meu filho ou lhe interno num manicômio.
-É a Lava Jato, vó.
-Como, você comprou um lava jato?
-Não, criatura. Há um mês me disseram que meu nome está lista.
-Que lista, infeliz?
Vendo que o diálogo iria ser difícil ele abriu o jogo. Contou que na campanha eleitoral passada trabalhou, a pedido de um amigo, o Pastor, para um candidato a vereador de Joaquim Gomes (JG). Em dado momento da batalha pelo voto, o candidato sem dinheiro pediu para ele ir falar com um deputado federal famoso, para saber do SFF, que seria o Sistema Facilitador Fahrenheit. A velha pediu detalhes por que não estava entendendo nada. Descobriu que a nomenclatura representava um código para que se falasse em financiamento de campanha. No caso, “fahrenheit” significava dinheiro para caixa dois, propina, enfim. E Considerado foi ao encontro do deputado em um hotel da beira mar de Maceió, tendo como testemunha o amigo Batoré. Foram bem atendidos. O político, então, entregou um pacote dentro de um saco plástico que logo chegou ao destinatário em JG.
-E o que tinha no pacote Considerado?
-Era o “fahrenheit” vó. Quer dizer, eu soube depois que eram mais de R$ 200 mil.
-E daí?
–E daí que o deputado está enrolado na Lava Jato e avisou a todo mundo que me entregou o dinheiro. Eu posso ser preso.
-E você fez o quê, com o dinheiro?
-Eu entreguei o pacote ao vereador que é conhecido lá em JG como “Fahrenheit”.
-Então vá lá e diga que entregou tudo e não ficou com nada.
-Não posso, eu não sou delator…
-Então vai preso né?
-A minha raiva é que o vereador perdeu a eleição e ninguém viu a cor do real.
-E o Batoré?
-Esse aí, coitado, chora mais do que mulher na hora do parto.
-E por quê?
-Por que não recebeu nenhum troquinho…