Como sempre acontece aos domingos, Considerado foi tomar o café da manhã com dona Nildinha, avó dele. A velha costuma caprichar e fazer os mimos do único neto que tem. Eles são muitos ligados. Família pequena, o melhor caminho para viver em harmonia é manter a unidade afetiva.
Chegou à casa dela e se surpreendeu ao olhar à mesa e esta não estava posta. Nada para comer, nem beber. Será que está doente? Foi o que pensou e passou a chamá-la, visitando os três quartos da casa. Preocupado seguiu em direção ao quintal e sua surpresa tornou-se ainda maior. Estava lá, sentada em uma pedra, com um pacote de milho quebrado nas mãos e uma arapuca armada para pegar passarinho.
-O que é isso vó? Ele questionou incrédulo e ela retrucou na hora: – Silêncio menino!
Foi o que fez. Ficou mudo e imóvel, assistindo ela jogar farelos de milho debaixo da arapuca e cantando como quem chama ninhada de galinha: ti ti ti ti ti…
Considerado teve que interromper a cena ao ver ao lado, no canto do muro, mais de 10 gaiolas de criar passarinho. “Essa velha está louca”, voltou a pensar. Logo interrompeu a cena e questionou já meio abusado: – O que está acontecendo aqui minha vó, a senhora está bem? Nildinha fez sinal de positivo e ele insistiu para que a situação fosse esclarecida, pois não estava entendendo absolutamente nada.
– Diga-me vó, por que essas gaiolas, essa arapuca, se a senhora nunca criou passarinho?
-Eu estou aqui para defender a natureza?
-Como se defende a natureza, prendendo passarinho em gaiolas?
– Se eu não prender vão acabar com eles?
– Que conversa minha vó…
-É sim. A imprensa está dizendo aí que querem acabar com os pardais…
– Pelo amor de Deus vó, não tem nada ver com esses passarinhos não.
-Mais eu ouvi falar no rádio que querem acabar com os pardais e eu sou contra.
– Os pardais que falaram não são esses passarinhos. São equipamentos eletrônicos de uma certa máfia da indústria da multa.
– E é? A vizinha que só anda de shortinho me falou dos pardais, mas não falou dessa indústria não. Então me fale o que é isso.
Ele ajudou a vó a levantar-se e depois foi desarmar a arapuca que já estava rodeada de um bando de pardais, felizes com a comida farta. Mas, impaciente, ela pediu explicações ao neto sobre o que estava acontecendo.
– O problema vó é que o prefeito de Maceió colocou nas ruas esses equipamentos eletrônicos chamados pardais, que registram infrações dos motoristas no trânsito e os infratores são multados.
– E isso não é bom?
– Em tese é. Mas a questão é que as pessoas estão dizendo que ele colocou esses pardais para atender a indústria da multa e arrecadar dinheiro para as eleições.
– E é? Então tem safadeza no meio?
– Não sei. Não posso afirmar isso. Agora esse é um ano de eleições, os vereadores querem dinheiro para campanha, o prefeito também, os cabos eleitorais também…
– Estou entendendo. É multa pra um, multa pra outro e o dinheiro entrando.
– É o que dizem…
– E agora eu que fico no prejuízo, Considerado?
-Como assim?
– E quem vai pagar minhas gaiolas?
– No prejuízo estou eu dona Nildinha, cadê o meu café?
– Vá comer na vizinha, a quartuda que você gosta…Mas, se preferir, vá na Rotary comer com seu amigo Batoré.