25 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Opinião

Um merda chamado Chico Buarquue, segundo Bortolucci

As pessoas que hostilizaram Chico são da mesma estirpe das que disseminam o ódio pela Internet.

 

O autor
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Por Bruno Bortolucci Baghim*

 

“Você é um merda”, diz um indivíduo a Chico Buarque, em pleno Leblon . Outro tenta provocar: “Tem um apartamento lá em Paris. É gostoso Paris, né?”. Alguém pega pesado: “Petista!”.

Mais uma pérola dos homens de bem desse Brasil.

A rigor, não importa se o sujeito é petista ou tucano. Não se trata de decidir qual lado é o certo, quem roubou mais ou menos, quem é o bandido. A questão é mais simples: não se ofende uma pessoa no meio da rua, de forma gratuita, covarde e estúpida, única e exclusivamente por suas convicções políticas.

Em junho deste ano Umberto Eco disse que a internet deu voz a uma legião de imbecis[1], e acertou em cheio. O grande perigo é que estes mesmos imbecis perderam o pudor, e agora vomitam seus impropérios nas ruas à luz do dia – ou na movimentada noite do Leblon.

Aliás, Chico Buarque não é caso isolado: Eduardo Suplicy e Fernando Haddad foram hostilizados em uma das maiores livrarias da capital paulista. Alexandre Padilha, ex-Ministro da Saúde, foi atacado por mais de uma vez em restaurantes.  Isso sem falar do ex-Ministro da Fazenda, Guido Mantega, atacado por ao menos três vezes, uma delas em pleno Hospital Albert Einstein, quando visitava a esposa. Todos alvo de pessoas absolutamente incapazes de conviver com a democracia, e que ainda encontram eco em milhões de outros indivíduos que, regozijados, espalham os vídeos das agressões pelas redes sociais – a imbecilidade que sai da internet invariavelmente a ela retorna.

Tem que se achar muito bom, muito “foda” (com o perdão do palavrão), para poder dizer a Chico Buarque que ele é um “merda”. Logo ele, um dos maiores ícones – senão o maior –  da música brasileira e da nossa própria História. Sempre atrelado às lutas sociais, desde os tempos da repressão, em que foi ferrenho opositor da Ditadura Militar. Chico nunca se acovardou, e tanto é assim que humildemente concedeu parte do seu tempo ao grupo que gratuitamente o hostilizava. Mas Chico teria um grave defeito: ser petista. A mácula que hoje destrói qualquer biografia. O xingamento padrão de qualquer “pessoa de bem”. A discussão vai mal? Basta chamar o seu contendor de “petista”. A razão magicamente muda de lado e nenhum outro argumento do “petralha” valerá. E seja ele quem for: um grande jurista, um líder respeitado, um artista. O petismo automaticamente o atira ao fosso de uma ignorância quase animalesca.

As pessoas que hostilizaram Chico são da mesma estirpe das que disseminam o ódio pela Internet. Contrários a benefícios assistenciais, cotas raciais e outras ações afirmativas. Que vestem a camisa da CBF para clamar contra a corrupção e pedem a volta dos militares. Que negam a existência do racismo e da homofobia. Adeptos do discurso do “bandido bom é bandido morto”, tentam linchar uma criança em plena praia de Copacabana. Também acham que refugiados haitianos e médicos cubanos são guerrilheiros infiltrados.  Os paranoicos de sempre.

Umberto Eco tinha razão.

E Chico Buarque continua sendo um gênio.

*Bruno Bortolucci Baghim é Defensor Público do Estado em São Paulo, membro do Núcleo de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública, especialista em Ciências Criminais e Direito Constitucional, e idealizador do Pessoal dos Direitos Humanos