28 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

A liturgia do cargo morreu: Não dá para se espelhar no presidente nem mesmo seguir seus conselhos

Projeção nos políticos hoje é intensa. Passional, até, com a razão sendo colocada completamente de lado

O momento não é bom para o Brasil. Pandemia com doentes lotando hospitais e número de pacientes mortos em crescimento franco, uma grave recessão econômica como consequência da situação sanitária e uma grave crise institucional, com clima belicoso entre os poderes e seus apoiadores.

E no meio disso tudo, não há uma liderança para se espelhar, para seguir com orgulho. Nem mesmo como referência. Seja antes disso tudo ou principalmente agora, a liturgia do cargo morreu.

A “liturgia do cargo” é quase que simbólica. Quando seguimos uma personalidade, seja ela um músico, atleta ou mesmo um influencer, de certa forma projetamos algo nele. Pode ser inspiração, respeito, admiração, algo do tipo: apreciamos a pessoa e a função que ela representa.

Isso não é diferente na função pública. Durante muitos anos o Brasil se espelhou na Lei de Gerson, em que vantagens de forma indiscriminada aconteciam independente das questões éticas ou morais, valendo ainda aquela de máxima de “rouba, mas faz”.

De maneira preocupante, como nação, idolatramos até demais os ocupantes de cargos públicos. Algo que não é muito diferente hoje em dia. Houve até uma adaptação: a projeção nos políticos hoje é intensa. Passional, até.

Há tanto sentimento colocado em jogo, que a razão é deixada de lado e todo o argumento cai no lugar comum de atacar um inimigo e fazer de tudo para que ele não retorno.

Fazer de tudo

No cargo mais alto da República, está o presidente Jair Bolsonaro. Quando militar, fora acusado de planejar atentados terroristas no quartel e liderar um protesto por aumento salarial. Entrou na reserva quando adentou na política, há mais de três décadas.

Nunca teve um projeto relevante como deputado. Acabou ganhando infâmia por sua maneira “polêmica” de pensar (não estivesse protegido pela imunidade parlamentar, seria “criminosa” mesmo).

Enaltecia a ditadura militar e seus ditadores, falou em “não estuprar por não merecer” uma colega deputada, se aliou durante anos a milícias e colocou os filhos na mamata da política.

De alguma forma ele acabou se tornando referência. Mesmo com suas retóricas homofóbicas, desbocadas, rancorosas e vira-casaca (o que não faltam são registros dele fazendo pouco caso de comunismo, apoiando Lula, Hugo Chavez ou criticando o Centrão, extremo oposto dele hoje).

“Ele não é anti-comunista e eu também não sou. Na verdade, não tem nada mais próximo do comunismo do que é o meio militar. Nem sei quem é comunista hoje em dia”. Jair Bolsonaro.

Há ainda quem siga esse homem. De olhos fechados, com fervor e sem questionamento. Mesmo com ele claramente dificultando a investigação de crimes que teriam sido cometidos por seus aliados mais próximos.

Principalmente seus filhos, responsáveis por orquestrar discursos de ódio nas redes sociais. Tudo seguindo o gospel de Olavo de Carvalho, um filósofo autodidata que abandou a escola, acredita que a Terra é plana e vomita ódio em suas palavras. Claro, ele é o guru espiritual do presidente.

A situação pirou de vez nesta pandemia: o presidente minimizou o coronavírus. Chamou de gripezinha, disse que a situação era histeria pura, se preocupou mais com a economia que com as vidas, sabotou medidas de contenção e agora luta para esconder o crescente número de mortos.

Incentivado por esta retórica, há quem derrube cruzes de país enlutados, pois o presidente duvida dos números nos municípios e estados. Ele literalmente disse para que aliados encontrem um jeito de invadir e filmar hospitais de campanha. Claro, menos de 24 horas depois, já houve graves incidentes.

Como defender isso? Como ainda é possível que Weintraub siga como Ministro da Educação, que Sérgio Camargo continue à frente da Fundação Palmares, que Carla Zambelli seja uma das deputadas mais influentes ou que os filhos de Bolsonaro continuem escapando das investigações?

Seguir os passos e conselhos do presidente e seus aliados mais próximos periga levar o cidadão à criminalidade. Literalmente. Quanto tempo mais até que essa passada de pano continue?