Venho de um tempo e lugar, como quase todos de minha geração, onde as pessoas eram muito mais irmanadas. Solidárias. Sem essa de culto à intolerância.
São sólidas na memória às imagens do Grupo Escolar 2 de Dezembro e do Ginásio Antônio Farias, lá no pé da Serra Grande, em Paulo Jacinto. Imagens das amizades construídas e fortalecidas ao longo do tempo.
Uma boa lembrança da marca solidária -de uma gente simples e sincera da época – está, para mim, na forma de um sanduíche de queijo.
Costumava ir ao grupo escolar carregando na lancheira uma fruta. Laranja, banana, fatias de abacaxi, goiaba, enfim, o que a dispensa da cozinha de casa permitia. Vez por outra uma pequena compota de doce de coco de dona Nila.
À hora do recreio era uma festa. Meninos e meninas na algazarra e eu, timidamente, buscando um cantinho para lanchar escondido a fruta da ocasião, que destoava do lanche de muitos outros.
Vez por outra botava o olho “pidão” nos sandubas e nos refrigerantes dos demais.
Para minha alegria, uma alma generosa sempre vinha em socorro. Filho de fazendeiro, dono de uma vacaria, onde eu costumava comprar o leite todas as manhãs, Ênio Veiga chegava junto e, automaticamente, partia ao meio o sanduíche de queijo feito em casa e me entregava à metade.
Uma delícia. Pura felicidade. O gesto da partilha eternizado com a sinceridade peculiar.
Essa simplicidade no acolher também estava noutros colegas, que agiam da mesma maneira com uns e outros.
Os tempos avançaram e esse jeito simples de ser virou uma raridade. A vida frenética, a competição desenfreada, os valores invertidos. A célere busca do ter trouxe uma vida diferente para as gerações que se seguiram. Trouxe, inclusive, a indiferença e a vilania.
O mundo virou terra de ninguém. Onde todos se encontram, reúnem-se, mas ninguém conhece ninguém.
Todos se sentem do bem, mesmo fazendo e pregando o mal. Cada um com suas convicções, as quais impõem como a verdade absoluta ou a certeza do ego satisfeito.
Tempos sombrios, de mentes adoecidas pelas vaidades e pela insensatez, cada vez mais, recorrente. Capazes até de atrair catástrofes humanitárias.
Falta nos de hoje a alegria de lá, daqueles tempos que o peão entrava na roda, que a bola de meia alcançava o gol, que o cabo de vassoura era o cavalo do rei, que a boneca de pano era a rainha.
Falta-nos agora a serenidade de homens e mulheres para entender que a pressa em abarcar a vida nos leva a insanidade no pensar. Fragiliza a alma humana, expurga a solidariedade ao redor e transforma a todos em máquinas capazes de trucidar, quando “as metas” não são atingidas.
Alguém já disse que vivemos atualmente tempos de ignorância e crueldade. E assim a gente percebe que perdeu a humanidade quando olha a situação desumana do outro e não se importa com ele.
Tempos pra lá de estranhos. E sem aquele velho e bom pão com queijo.
Você me remeteu a Escola Clara Camarão -Povoado Caruru – São José da Laje, que no recreio era bem como você narrou. No meu caso não tinha lancheira, também não adiantava ter, razão vc imagina. No entanto a partilha sempre existia por parte dos colegas! Hoje a intolerância é tanto que nem ideia(i)s, podemos fazê-lo.
Marcelo, oh tempo bom que não volta jamais.saudades………..!!!
Muito bom ! Pura realidade 👏👏👏