18 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Bolsonaro mentiu ao dizer que não falou “Polícia Federal’ em vídeo da reunião

‘Não vou esperar f. minha família’, disse presidente em vídeo, que defesa de Moro pede para ser divulgado na íntegra

A AGU (Advocacia-Geral da União) entregou ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma transcrição de trechos da fala do presidente Jair Bolsonaro durante a reunião ministerial de 22 de abril, usada como prova em inquérito após as acusações do ex-ministro Sergio Moro.

No trecho, é claro e evidente que Bolsonaro afirmou que não estava recebendo informações da Polícia Federal e iria “interferir”, e também disse que não iria esperar “foder minha família” para fazer trocas na “segurança”.

“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da… da… da… porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois… depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. Então essa é a preocupação que temos que ter: “a questão estratégica”. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”. Jair Bolsonaro, segundo transcrição da AGU.

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro acusa Bolsonaro de tê-lo pressionado por trocas na Polícia Federal nesse encontro ministerial. Bolsonaro nega. O ministro Celso de Mello, do STF, é o relator da investigação.

Pouco depois da exibição do vídeo, na sede da PF, o presidente chegou a afirmar a jornalistas que o vídeo da reunião ministerial, por não ser oficial, deveria ter sido destruído. E afirmou não se preocupar com investigações e que não falou as palavras Polícia Federal e superintendência durante a reunião ministerial do mês passado.

Se o presidente Jair Bolsonaro quiser se segurar na literalidade, ou for por questão de semântica, ele realmente não falou a palavra ‘Polícia Federal’ no vídeo. Mas falou ‘PF’. Claro, na manhã desta sexta (15), ele falou exatamente isso:

“Palavra ‘PF’. Duas letras. Tem a ver com a Polícia Federal, mas é reclamação “PF”, no tocante ao serviço de inteligência”. Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada.

Divulgação do vídeo

Em pedido ao STF, a AGU quer que sejam tornados públicos apenas os trechos do vídeo da reunião com as falas de Bolsonaro, e que sejam mantidas em sigilo as declarações dos ministros.

Por outro lado, a defesa do ex-ministro da Justiça Sergio Moro pediu a divulgação na a íntegra do vídeo da reunião ministerial. A defesa de Moro afirmou ao Supremo que, durante a reunião ministerial, o presidente dirigia cobranças ao ex-juiz da Lava Jato.

A afirmação é importante para bancar a tese segundo a qual o presidente tentava interferir na Polícia Federal, apesar de seus ministros dizerem que ele tratava da sua segurança e da de seus familiares no Rio de Janeiro.

Para Moro, o presidente quis dizer “superintendência” da PF no Rio. Se Bolsonaro estivesse tratando da “segurança” de seus familiares, ele dirigiria as queixas ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável por essa tarefa. Moro era o superior hierárquico da polícia.

Por isso, a defesa quer que o vídeo da reunião seja divulgado na íntegra ou, pelo menos, com as declarações do próprio Bolsonaro. O motivo das cobranças eram quatro fatos:

  1. Moro não apoiou a ida do presidente a ato em 19 de abril, que pediu a volta da ditadura militar;
  2. não apoiou Bolsonaro em manifestações contrárias ao distanciamento social para o combate da covid-19;
  3. não apoiou as declarações do presidente que minimizavam “a gravidade da pandemia”;
  4. não concordar com a suposta interferência do presidente na PF do Rio de Janeiro e na direção geral da corporação, “pelos motivos declinados pelo próprio presidente”

Além disso, com a divulgação do vídeo, seriam reveladas afirmações “de tom autoritário”. “A publicidade total da gravação trará à luz inquietantes declarações de tom autoritário inviáveis de permanecerem nas sombras.”