26 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Ernesto Araújo em carta STF: Judiciário não tem competência em política externa

Diplomatas brasileiros foram orientados a vetar o termo “gênero” nas negociações internacionais e em resoluções da ONU, aproximando o Brasil com países conservadores como Arábia Saudita

O chefe do Itamaraty e ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse em uma carta ao ministro do STF, Gilmar Mendes, que o Judiciário não tem competência sobre política externa, que a mudança na diplomacia atende a “mandato popular” e confirma mudança na postura internacional do País em temas de gênero.

Olavista, Araújo alegou que a mudança na postura internacional do Brasil sobre temas de gênero e direitos humanos atende à vontade demonstrada pelo povo brasileiro nas urnas ao eleger Jair Bolsonaro. E alertou que não aceitaria o envolvimento do Poder Judiciário na formulação da políticas externa.

As declarações acontecem num momento em que o STF avalia um pedido de liminar que apela para que corte determine a suspensão das ordens de Araújo a seus diplomatas e uma revisão do posicionamento brasileiro em temas de mulheres, gênero e LGBTI.

Numa carta ao Supremo Tribunal Federal, o chanceler explicou o posicionamento polêmico adotado pelo Brasil na ONU e confirmou que o governo “tem a preferência” por uma nova formulação ao debater a igualdade entre mulheres e homens.

“Como país democrático, em que vigora o pleno exercício do estado de direito, o Brasil busca implementar sua politica externa de forma consistem com o mandato popular outorgado pelo povo nas eleições. Desde a assunção de Jair Bolsonaro da presidência, o governo brasileiro tem atualizado seu posicionamento em política externa nos vários foros em que o Brasil atua, inclusive sobre a questão de gênero, a fim de melhor refletir o mandato popular[, termos que têm] “assumido conotação contrária aos interesses brasileiros”. Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores.

STF vs Itamaraty

Em 8 de outubro, o Supremo havia dado dez dias para que o Itamaraty explicasse seu posicionamento sobre “gênero” e a decisão de instruir diplomatas brasileiros a vetar o termo nas negociações internacionais e em resoluções da ONU. O posicionamento brasileiro chocou a comunidade internacional e aproximou o Brasil de votos de países ultraconservadores, como Arábia Saudita.

Uma das orientações do governo aos diplomatas foi que sua política externa estaria voltada a derrubar termos como “gênero”, além de explicar publicamente que o Brasil considerava a palavra apenas por um contexto de “sexo biológico: feminino ou masculino”.

A decisão do STF foi tomada depois que a Associação Brasileira de LGBTI entrou com um pedido de medida liminar contra os atos da chancelaria, solicitando que as orientações da diplomacia fossem “imediatamente” suspensas.

No pedido de medida liminar, os advogados da associação alertavam que tal ato do governo “viola a dignidade humana” de lésbicas e gays à medida em que desafiam o entendimento firmado pelo STF acerca da matéria”. O caso está sendo representado pelos advogados Rodrigo Muniz Diniz, Anderson Bezerra Lopes, Débora Nachmanowicz e Gustavo Miranda Coutinho.

Resposta do Itamaraty

Em documento de 21 de outubro, o governo alegou que a petição era “inepta” e formulada com base em notícias de jornais e que o Brasil continua comprometido em eliminar a discriminação contra mulheres.

Mas indica que o governo “permanece preocupado com o uso indevido de termos e expressão que não tem definição internacional clara e que podem ser interpretado de forma distinta do que estabelece a legislação brasileira sobre a matéria”. Já, sobre a questão de gênero, nada muda:

“O governo brasileiro tem manifestado o entendimento de que o termo gênero é sinônimo de sexo biológico, feminino ou masculino. O Brasil não se opõe ao uso do termo gênero, uma vez que o país é signatário de diversos instrumentos internacional que fazem uso da expressão. A atualização da posição do país busca alinhar a política externa com as propriedades da plataforma eleitoral do governo do presidente Jair Bolsonaro”. Resposta do Itamaraty

O chefe da diplomacia brasileira, portanto, indica que “no lugar do uso do termo “igualdade de gênero”, o Brasil favorece “igualdade entre homens e mulheres”, conforme estabelece a Constituição de 1988″.

“O Brasil não se opõe ao uso do termo gênero em documentos internacionais. O país tem buscado deixar claro seu entendimento sobre o significado de expressões ambíguas em documentos ainda em processo de negociação. O Brasil não se recusou a apoiar nenhum documento internacional porque contivesse a expressão gênero. Mas buscou, com maior ou menor enfase, a depender do caso, deixar claro seu entendimento sobre o tema”. Resposta do Itamaraty

Lembrando que é contra a violência contra pessoas LGBTI, o chefe do Itamaraty insistiu que o governo reconhece o importante papel das famílias na promoção dos direitos humanos”. Mas admite que Brasil “tem buscado aproximar-se de países que tenham colocado a família como área de enfoque prioritário”.

Na carta, Ernesto Araújo também manda um recado direto para Gilmar Mendes: o Poder Judiciário não pode entrar no mérito de política externa. A mensagem tem como objetivo impedir que o STF atenda à liminar e opte por suspender as instruções do Itamaraty neste assunto. Para o chanceler, tal postura seria inviável e o risco de uma substituição de poderes.