24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Policia

História mal contada: Os furos de Bolsonaro, Witzel e do porteiro no caso Marielle

O presidente levou 21 dias para revelar que o governador do Rio teve acesso a informações de um inquérito que corria sob segredo de Justiça

O presidente e os suspeitos de matar Marielle e seu motorista: ligações perigosas

O Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República já arquivaram o relado do porteiro do condomínio do presidente, e que ligou a menção do nome de Jair Bolsonaro (PSL) na investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

Bolsonaro mora na casa 58 do condomínio, enquanto o policial militar reformado Ronnie Lessa, acusado de ser um dos assassinos de Marielle e Anderson, morava na casa 65.

No dia 14 de março de 2018, data do crime, o ex-policial Élcio de Queiroz esteve no local, segundo registro do livro de controle de acesso do Vivendas da Barra. Porém, a anotação diz que ele afirmou que iria à residência de Bolsonaro, conforme revelou a TV Globo.

Curiosamente, o delegado Lages confirmou ainda que uma filha de Lessa, acusado de efetuar os disparos contra Anderson e Marielle, namorou Jair Renan, o filho mais novo de Bolsonaro, que tem o mesmo nome do pai e disse não saber informar se seu filho realmente namorou uma filha de Lessa.

“Meu filho Jair Renan disse naquele linguajar: ‘Papai, namorei todo mundo no condomínio, não lembro dessa menina'”. Jair Bolsonaro, presidente.

No meio disso tudo, só aos que temem a elucidação dos assassinato interessa a produção de fatos que possam embaralhar as investigações. É o caso dos assassinos. E também dos seus cúmplices. E mesmo daqueles que à distância, por uma razão ou outra, preferem que fique tudo por isso mesmo.

E a história segue mal contada.

Áudio sem perícia

Um porteiro do condomínio Vivendas da Barra afirma que autorizou a entrada no residencial de um dos acusados de matar a vereadora, mas apesar do MP do Rio já provar o equívoco do relato, uma perícia feita pelos técnicos do órgão apresenta lacunas e não afasta a possibilidade de que áudios do sistema de interfone tenham sido excluídos antes de serem entregues à Polícia Civil.

A perícia feita pelo MP nos áudios do sistema de interfone do Vivendas da Barra não avaliou a possibilidade de algum registro ter sido excluído antes de ser entregue à Polícia Civil. De acordo com as promotoras, o que foi avaliado pelos peritos foi se houve adulteração nos áudios recebidos pela DH. O material foi entregue neste mês à Polícia Civil pelo condomínio de forma voluntária.

Ao ser questionada sobre a possibilidade de exclusão de áudios, a coordenadora do Gaeco, Simono Sibílio, não garantiu a integralidade do sistema. “O que foi auditado foi isso e a gente não pode elocubrar. O quesito foi esse e a resposta foi essa”, disse.

Em dois depoimentos à DH (Delegacia de Homicídios), o porteiro disse que foi o “seu Jair” que autorizou a entrada de Élcio no local. Ao observar pelo circuito interno de TV que o visitante estava indo para outra casa, o porteiro diz que voltou a ligar para a casa de Bolsonaro. Ele conta que “seu Jair” afirmou saber onde Élcio estava indo.

O Ministério Público do Rio revelou somente ontem, no final da tarde que o porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem duas casas não ligou para uma das casas dele avisando no dia da morte de Marielle que havia um homem pedindo licença para ir até lá. Ligou, sim, para a casa onde morava o ex-policial Ronnie Lessa.

E por que somente ontem no final da tarde o Ministério Público do Rio revelou que o porteiro mentira ou se enganara em dois depoimentos prestados à polícia em meados deste mês? Porque somente ontem o Ministério Público disse que teve acesso à gravação dos telefonemas dados pelo porteiro no dia do crime.

Bolsonaro acusa Witzel

Após a publicação da reportagem, Jair Bolsonaro e seus aliados fizeram uma série de ataques à TV Globo e a Wilson Witzel, governador do Rio. Ainda da Arábia Saudita, onde o presidente participa de viagem diplomática, Bolsonaro se isentou de responsabilidade pelo crime e fez duras críticas à imprensa, sobretudo à Globo, pelas reportagens que envolvem não apenas ele, mas também seus familiares.

Ele ainda insinuou que as informações do processo, que está sob sigilo, teriam sido vazadas pelo governador Wilson Witzel (PSC). Depois, em entrevista aos jornalistas, Bolsonaro voltou a atacar Witzel:

“No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação, que eu poderia estar envolvido na morte da senhora Marielle”. Jair Bolsonaro, presidente.

O governador do Rio, no entanto, se esquivou das acusações e disse que o presidente estava desequilibrado emocionalmente e classificou as acusações como “levianas”.

Witzel sabia e disse a Bolsonaro

Entretanto, segundo Bolsonaro, o governador Witzel o teria avisado da citação do seu nome nas investigações do caso Marielle e da subida do processo ao STF (Supremo Tribunal Federal) no dia 9 de outubro. A investigação acontece sob segredo de Justiça.

De acordo com o presidente, Witzel teria dito a ele que que “o processo está no Supremo Tribunal Federal” em um encontro inesperado entre os dois no Clube Naval do Rio de Janeiro. Ao ser questionado sobre qual processo seria esse, Witzel teria confirmado se referir ao de Marielle.

Bolsonaro relatou, ainda, que após perguntar ao governador qual seria a sua relação com o processo de Marielle, Witzel teria dito que o porteiro do condomínio citou o nome do presidente. Questionado por repórteres quanto à veracidade do diálogo citado por Bolsonaro, Witzel se limitou a dizer: “Eu não posso falar”. O chefe do Executivo fluminense também não explicou o porquê de não dar as explicações.

O fato é que Bolsonaro levou 21 dias para revelar que Witzel teve acesso a informações de um inquérito que corria sob segredo de Justiça. E que só o fez depois que o Jornal Nacional noticiou que ele havia sido citado pelo porteiro do condomínio onde tem duas casas. Ali morava um dos acusados de ter matado Marielle.

Quem mais se beneficiou do que fez Witzel e do que Bolsonaro escondeu? Bolsonaro. Impossível que não tenha aproveitado os 21 dias de segredo para se informar melhor sobre o que Witzel lhe informara superficialmente. E para reunir provas, indícios e argumentos para defender-se se tudo viesse a público.