25 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
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Lei do retorno: Volume de fraudes faz os seguros ficarem mais caros

Em 2018, os sinistros de seguros movimentaram R$ 32.9 bilhões no Brasil. Desse total, R$ 5.13 bilhões envolvem casos suspeitos de fraude

“Deixa pra lá, o seguro paga”. Você já falou ou ouviu essa frase, logo após o impacto de um sinistro envolvendo seu carro? Ela é bem comum. E nada melhor do que a tranquilidade de saber que aquela despesa inesperada provocada por um acidente envolvendo bens de sua propriedade e de terceiros, terá cobertura do seguro que você contratou.

O problema é que nem sempre a frase traduz os princípios de ética e boa fé que devem reger a relação entre segurado e seguradora. Às vezes, esse ‘deixa pra lá’, significa assumir a responsabilidade de um sinistro que você não causou – para se livrar do transtorno e evitar discussão; para ajudar o causador do acidente que não tem dinheiro para arcar com o prejuízo; ou simplesmente para “compensar” o que paga de seguro “a vida toda”. Ali mesmo, no local do acidente, os dois se acertam: o causador do acidente se compromete em pagar a franquia, e “tá tudo certo”: O seguro cobre a despesa dos dois. 

Parece simpático mas, “tá tudo certo”, mesmo? Você sabe que não. Esse jeitinho de trazer para a sua seguradora a responsabilidade de um acidente que você não provocou, mesmo que revestido da melhor das intenções de ajudar “um pobre coitado que não tem como pagar”, é fraude! E deixa bem mais caro o valor do seguro pago por todos, inclusive você.

Como? A fraude faz aumentar consideravelmente o número de sinistros pagos pela seguradora. E Você acha que ela vai arcar sozinha com esse prejuízo? Claro que não! Esse custo é embutido na planilha, compondo o valor total do prêmio (valor pago pelo segurado), tornando-o mais caro. 

E não é só a fraude consolidada, mas também o risco de ela acontecer. Isso mesmo: se há demonstrativos de um maior volume de sinistralidade (fraudulenta ou não) em determinado local, isso é levado em conta na planilha de custo, encarecendo o preço.  Tanto é, que o seguro de um carro da mesma marca, ano e modelo pode variar consideravelmente de um bairro para outro; de um estado para outro, de acordo com o potencial de sinistralidade – roubo ou assalto, por exemplo. Quanto mais sinistros, maior o risco, maior o preço da apólice.

Então, alguma dúvida sobre quem acaba pagando essa conta? 

O preço da fraude – um crime que custa R$ bilhões

Os números não são nada modestos. Em 2018, os valores de sinistros envolvendo casos suspeitos –  com algum indício de fraude – representaram a bagatela de R$ 5,13 bilhões para as seguradoras em todo o Brasil. Um percentual de 15,6% de um total de R$ 32,9 bilhões referentes a sinistros registrados pelo setor, nos ramos de seguro de automóveis, DPVAT, patrimonial, rural, pessoas-coletivo, transportes, habitacionais, entre outros. Os dados constam no relatório ‘Quantificação de Fraude no Mercado de Seguros Brasileiro’ – 2018, produzido pelo Sistema de Quantificação de Fraudes (SQF) da Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNSeg), divulgado em agosto passado. E não abrangem, nessa conta, os ramos de saúde suplementar, capitalização e previdência complementar.

E embora as estatísticas mostrem que apenas R$ 3,65 bilhões (cerca de 11%) dos valores envolvendo o total de sinistros tenham passado por algum tipo de investigação, apenas 2,2% (o equivalente a R$ 720 milhões) tiveram comprovação de fraude e o sinistro negado. Isso representa apenas 14% do total de suspeitos. Os restantes 86% (quase R$ 4.5 bilhões) não chegaram a ser investigados ou, por insuficiência de provas, permaneceram tranquilamente no status de ‘fraude detectada’, mas não comprovada. E nesse caso, as seguradoras tiveram que pagar.

Edmilson Ribeiro – presidente do Sincor-AL

“Não é tarefa fácil provar que houve má fé em situações de sinistro. E se não há provas suficientes, tem que pagar”, observa o presidente do Sindicato dos Corretores de Seguro de Alagoas (Sincor-AL), Edmilson Ribeiro. E ele admite que uma suspeita, por mais evidências que traga, não tem o poder de exonerar a seguradora da responsabilidade contratual de cobertura do sinistro. 

Na verdade, em alguns ramos, como o de automóveis, por exemplo, os números de investigação não chegam nem a 10% dos casos suspeitos, segundo o relatório. Os dados do SQF mostraram que de R$ 20.798 milhões em sinistros suspeitos envolvendo seguro de carros, no ano passado, apenas R$ 1.772 milhão foram investigados, resultando em R$ R$ 544 mil em fraude detectada e apenas R$ 343 mil comprovadas (com sinistros negados). O ramo patrimonial registrou R$ 3 milhões em casos suspeitos, dos quais R$ 387 mil foram investigados e R$ 115 mil foram confirmados. 

Talvez pela exiguidade do tempo para atendimento ao segurado, a ordem principal nas seguradoras é ‘pague-se’. Ou talvez porque, na maioria dos casos em que o sinistro é negado por evidências fraudulentas, a Justiça determina o pagamento em favor do segurado se as provas não forem irrefutáveis. Nesse bolo, elas acabam sendo obrigadas a pagar as indenizações decorrentes de ações criminosas que envolvem roubos, furtos, estelionato, falso testemunho, entre outros.

Enquadramento criminal – o autêntico 171

Mas, cuidado! Se a fraude for confirmada você pode se dar muito mal. E não se trata apenas de ter o sinistro negado e ter que arcar com os prejuízos referentes ao seu bem e de terceiros. Trata-se também de implicações criminais que podem levar à cadeia. 

A fraude no seguro se enquadra perfeitamente no famoso artigo 171, do Código Penal Brasileiro, segundo o qual, ‘É crime obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento’. O inciso V do mesmo artigo, vai direto ao assunto: “Comete crime de fraude quem destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro’.

A punição prevista vai de multa a até 5 anos de reclusão.  

Além disso, alerta o presidente do Sincor-AL, Edmilson Ribeiro, há outros riscos graves. Uma pessoa que assume a responsabilidade de um acidente que não cometeu, mesmo com a intenção de ajudar o verdadeiro responsável, que não tem seguro, pode se deparar com uma ação inesperada de cobrança e ter que assumir um prejuízo enorme – com o seu veículo e o dele – e até com pedidos de indenização, se a fraude for detectada.

“Isso se chama inversão de culpabilidade. Já teve caso em que um segurado assumiu a responsabilidade para ajudar o outro, que não tinha seguro, e de repente se viu com uma ação cobrando diárias de trabalho: o outro envolvido era motorista de Uber; o carro ficou parado, ele entrou com pedido de ressarcimento de diárias, achando que o seguro iria pagar, mas a fraude foi detectada e o sinistro negado. E aí? Olha a situação! Num acidente envolvendo um motoqueiro, o segurado que assumiu a responsabilidade do sinistro para ajudá-lo, deparou-se, lá na frente, com uma situação muito séria, de pedido de indenização. A fraude foi confirmada e o sinistro negado pela seguradora. Só que o motoqueiro ficou inválido. Quem vai responder por isso? O fraudador, porque ao assumir oficialmente o sinistro, ele criou provas contra si mesmo”, alerta Edmilson.

Tipos mais comuns de fraude

A inversão de responsabilidade diante de um sinistro é um dos tipos mais comuns de fraude, mas está longe de ser o único. Embora caracterizada como crime previsto no Código Penal (artigo 171, inciso V), a fraude é problema abrangente, com inúmeras modalidades de golpes em  cada ramo de seguro, principalmente no chamado “seguro de vida” e no de automóveis. 

E nesse caso, fraude é muito mais do que a antiga prática de fazer seguro de carro batido, destaca o presidente do Sincor-AL, Edmilson Ribeiro. “Isso praticamente não existe mais, porque hoje, o corretor faz o seguro e isso gera um código de vistoria. Quem vai fazer essa vistoria é outra empresa contratada pela seguradora e não o corretor. Existe todo esse cuidado na contratação inicial”, explica ele.

Mesmo assim, são várias as artimanhas usadas para fraudar seguros de veículos e entre as mais recorrentes está o auto-roubo – a simulação de roubo ou incêndio de um bem para receber o dinheiro do seguro. Nesse caso, a história está repleta de exemplos que demonstram que o limite é a imaginação. Desde enterrar o veículo para lhe dar sumiço, vender para o desmonte e denunciar roubo, simulação de assalto, até aquele que facilita tudo para o ladrão levar: deixa o carro aberto na rua, até com a chave na ignição. E tem aqueles que vão direto ao assunto e contratam alguém para dar sumiço no veículo e ser ressarcido pelo seguro. 

A majoração no orçamento de peças e serviços, nas oficinas, em benefício próprio do segurado (geralmente para ressarcir indevidamente o valor da franquia), é outra prática fraudulenta no mundo dos seguros. Nesse caso, conta com a conivência de alguém da oficina. “O seguro só paga por peças novas. Mas o segurado que quer levar vantagem, manda recuperar a peça e recebe o dinheiro como se tivessem sido repostas pelas novas. Se o seguro for propor isso, para gastar menos na recuperação do veículo, ninguém quer, mas muitos fazem esse arrumadinho pra se dar bem e ganhar dinheiro em cima do sinistro”, conta ele.

Omissão de informações no ato da contratação, para pagar menos pelo seguro também é uma maneira de fraudar, destaca Edmilson. E é muito mais comum do que se imagina. Principalmente em relação ao perfil dos condutores. “O seguro é traçado, não pela marca ou característica de um carro, mas por uma série de fatores, entre eles o perfil do condutor”, observa Edmilson. 

E exemplifica: “Se você é mulher, casada, na faixa dos 50 anos e só você usa o seu carro, é um valor. Se você tem filhos em casa, na faixa entre 18 e 25 anos, e eles dirigem o carro, isso eleva bastante o valor do seguro. Então, muita gente omite essa informação para pagar menos, mas o risco para a seguradora persiste, porque a probabilidade de um acidente nessa faixa etária é comprovadamente maior. Aí, você não pagou por essa cobertura, mas vai querer usar. Se acontecer um acidente com seu filho dirigindo, como é que fica? O sinistro pode ser negado. Aí vem o arrumadinho, você assume a responsabilidade pelo sinistro, e o seguro paga. Isso é fraude! A seguradora vai pagar a consequência de um risco que você omitiu para pagar mais barato”.

Caso DPVAT: Controle da fraude x redução de preço

Não resta dúvida entre especialistas da área, de que a fraude prejudica em todos os lados da questão: o das seguradoras e o do consumidor, encarecendo o valor da apólice, tornando o preço inviável para alguns. Porque no cálculo do valor a ser pago pelo seguro, pesam as perdas relativas ao pagamento de sinistros, inclusive os suspeitos de fraude 

Até mesmo os investimentos para controle de fraudes geram custos para as empresas, que acabam sendo repassados ao consumidor, embutidos nos itens da planilha que compõe o valor do prêmio (pago pelo consumidor), como custos administrativos e de auditorias.

Lançamos mão de uma frase solta no relatório da CNSeg: “Atuar na redução das fraudes é agir a favor do consumidor”. Para se ter uma ideia do quanto isso é verdade, basta tomar como exemplo a redução no custo do DPVAT, este ano.

O seguro obrigatório criado para cobrir Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de via Terrestre teve uma baixa de mais de 70% no preço ao consumidor. Para nossa alegria, caiu de R$ 41,00 (preço praticado até o ano passado para carros pequenos – particulares ou táxis), para R$ 12,00 este ano. E isso foi possível, em grande parte, graças ao controle de fraude, a partir de investimentos feitos em tecnologia de análise de dados. Foi o que explicou o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), ao anunciar a redução, no final do ano passado. 

Uma plataforma tecnológica desenvolvida pela empresa catarinense Neoway, especializada em negócios orientados por dados, possibilitou à seguradora Líder, que opera o DPVAT, maior controle das fraudes através do cruzamento de dados de sinistros que apontam com precisão indicativos da existência de indícios suspeitos, desencadeando auditorias focadas, que desbarataram quadrilhas especializadas em fraudar o DPVAT. O sistema é capaz, por exemplo, de captar o nome de pessoas físicas ou jurídicas que já tenham sido condenadas por fraude, acendendo o alerta para processos investigativos que envolvam essas partes.

Lógico que tem outros fatores que também contribuíram para o barateamento, destaca Edmilson Ribeiro. O DPVAT é obrigatório – todo mundo que tem carro tem que fazer – diferente dos demais seguros. Por outro lado, existe ainda muita dificuldade ou desinformação em relação ao direito e à documentação necessária para receber. Muita gente tem sinistro e não vai atrás, por desconhecimento, ou desiste no caminho, diante de alguma dificuldade. Sem contar os que acabam desistindo ao cair nas mãos de atravessadores, que em geral querem levar a metade do que o beneficiário tem direito. 

Mas a parte que diz respeito ao combate à fraude pode ser inspiradora para outros ramos de seguro. Recentemente a Revista Apólice citou, no “Inquérito sobre a Fraude em Seguros 2019”, alguns caminhos de busca de solução para os principais desafios das seguradoras, entre eles, uma abordagem mais eficaz no combate à fraude como forma de garantir a essas instituições, mais saúde financeira, e aos consumidores, prêmios de seguro mais justos.

E as principais conclusões instigam as seguradoras a unirem forças em torno da definição de uma cultura de luta contra a fraude; a automatizar essa luta, para melhorar os resultados; a aproveitar a Inteligência Artificial (IA); e a trabalhar com dados – criando bancos de informações sobre a fraude organizada, fazendo cruzamento e compartilhando essas informações – um pouco do que fez o DPVAT.

Se deu certo com eles – e os números da redução mostram isso – certamente daria certo com todos os ramos do seguro.

Apenas para reafirmar: “Atuar na redução das fraudes é agir a favor do consumidor”.