24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Novas conversas: Moro orienta MPF contra ‘showzinho’ da defesa

The Intercept Brasil divulgou novos conteúdos sobre o controle de Moro no Ministério Público Federal

As relações perigosas de Moro e Dallagnol no processo contra o ex-presidente Lula

O site The Intercept divulgou nesta sexta-feira, 14, novas conversas do ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, com integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato. Nos diálogos, um dia depois do 1º depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva em Curitiba, Moro orienta o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima a emitir uma nota à imprensa como resposta ao que classificou como “showzinho” da defesa do ex-presidente.

A conversa teria sido realizada em 10 de maio de 2017 e foi iniciada por Moro. Ele pergunta ao procurador: “O que achou?”, referindo-se ao depoimento de Lula.

Santos Lima faz a sua avaliação, os dois trocam mais algumas mensagens, até que o então juiz fala: “Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele. Por que a Defesa já fez o showzinho dela”.

O procurador, então, pede em um grupo em que estão assessores de imprensa do MPF (Ministério Público Federal) que eles tentem agendar uma entrevista com a Rede Globo, em Recife, onde ele participaria de um congresso jurídico. Os assessores tentam dissuadi-lo.

Na sequência, Santos Lima copia as mensagens que recebeu de Moro em uma conversa privada com Deltan Dallagnol.

Depois, é o coordenador da força-tarefa da Lava Jato quem envia uma mensagem no grupo de assessores do MPF, pedindo para que eles avaliassem a repercussão do caso e considerassem a ideia de emitir uma nota para “contrabalancear as manifestações da defesa”. Recebe como resposta de que poderia ser um “tiro no pé”.

As trocas de mensagens seguiram até o dia seguinte, quando a comunicação emitiria, de fato, uma nota, conforme orientação de Moro.

Confira as mensagens divulgadas:

  • Moro pergunta a Santos Lima o que ele achou do depoimento

Santos Lima – 22:10 – Achei que ficou muito bom. Ele começou polarizando conosco, o que me deixou tranquilo. Ele cometeu muitas pequenas contradições e deixou de responder muita coisa, o que não é bem compreendido pela população. Você ter começado com o Triplex desmontou um pouco ele.
Moro – 22:11 – A comunicação é complicada pois a imprensa não é muito atenta a detalhes
Moro – 22:11 – E alguns esperam algo conclusivo
Moro – 22:12 – Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele
Moro – 22:13 – Por que a Defesa já fez o showzinho dela.
Santos Lima – 22:13 – Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal.
Santos Lima – 22:16 – Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua.

  • Dez minutos depois, Santos Lima envia mensagem no grupo “Análise de clipping”, em que estão assessores de imprensa do MPF

Santos Lima – 22:26:23 – Será que não dá para arranjar uma entrevista com alguém da Globo em Recife amanhã sobre a audiência de hoje?
Assessor 1 – 22:28:19 – Possível é, só não sei se vale a pena. E todos os jornalistas que estão aqui e já pediram entrevista?
Assessor 2 – 22:28:32 – Mas dr., qual o motivo?
Assessor 2 – 22:29:13 – Qual a necessidade, na realidade..
Santos Lima – 22:30:50 – Uma demanda apenas. Como está a repercussão da coletiva dos advogados?
Assessor 2 – 22:30:58 – Rito normal do processo…vcs nunca deram entrevista sobre audiência…vai servir pra defesa bater…mais uma vez…

  • Santos Lima envia as mensagens que recebeu de Moro para Dallagnol. O coordenador da Lava Jato não vê. No grupo “Filhos de Januário 1”, integrantes da força-tarefa discutem se deveriam comentar o depoimento. Santos Lima envia uma mensagem ao grupo para que Dallagnol veja seu chat privado. No grupo, o coordenador responde.

Deltan – 22:46:46 – Então temos que avaliar os seguintes pontos: 1) trazer conforto para o juízo e assumir o protagonismo para deixá-lo mais protegido e tirar ele um pouco do foco; 2) contrabalancear o show da defesa.
Deltan – 22:47:19 – Esses seriam porquês para avaliarmos, pq ng tem certeza.
Deltan – 22:47:50 – O “o quê” seria: apontar as contradições do depoimento.
Deltan – 22:49:18 – E o formato, concordo, teria que ser uma nota, para proteger e diminuir riscos. O JN vai explorar isso amanhã ainda. Se for para fazer, teríamos que trabalhar intensamente nisso durante o dia para soltar até lá por 16h

  • Dallagnol conversa com Moro

Deltan – 23:02:20 – Caro parabéns por ter mantido controle da audiência de modo sereno e respeitoso. Estamos avaliando eventual manifestação. A GN acabou de mostrar uma série de contradições e evasivas. Vamos acompanhar.
Moro – 23:16:49 – Blz. Tb tenho minhas dúvidas dá pertinência de manifestação, mas eh de se pensar pelas sulilezas envolvidas

  • Dallagnol manda mensagens no grupo “Análise de clipping”

Deltan – 23:05:51 – Caros, mantenham avaliando a repercussão de hora em hora, sempre que possível, em especial verificando se está sendo positiva ou negativa e se a mídia está explorando as contradições e evasivas. As razões para eventual manifestação são: a) contrabalancear as manifestações da defesa. Vejo com normalidade fazer isso. Nos outros casos não houve isso. b) tirar um pouco o foco do juiz que foi capa das revistas de modo inadequado.
Assessor 2 – 23:15:30 – Quem bate vai seguir batendo. Quem não bate vai perceber a mudanca de posicionamento e questionar. É uma parte do processo. Na minha visão é emitir opinião sobre o caso sem ele ter conclusão…e abrir brecha pra dizer que tão querendo influenciar juiz. Papel deles vai ser levar pro campo político. Imprensa sabe disso. E já sabe que vcs não falam de audiências geralmente. Mudar a postura vai levantar a bola pra outros questionamentos. Pq resolveram falar agora? Pq era o ex-presidente? E voltar o discurso de perseguição…é o que a defesa fez, faz…pq não tem como rebater a acusação. Acusação utilizar da mesma estratégia pode ser um tiro no pé.

  • No dia seguinte, depois de a Lava Jato publicar a nota, Dallagnol conversa com Moro

Deltan – 22:16:26 – Informo ainda que avaliamos desde ontem, ao longo de todo o dia, e entendemos, de modo unânime e com a ascom, que a imprensa estava cobrindo bem contradições e que nos manifestarmos sobre elas poderia ser pior. Passamos algumas relevantes para jornalistas. Decidimos fazer nota só sobre informação falsa, informando que nos manifestaremos sobre outras contradições nas alegações finais.

O CASO

No último domingo (9.jun), o Intercept divulgou uma série de mensagens em que Moro parece orientar a força-tarefa da Lava Jato quando ainda era juiz federal e responsável pelo julgamento dos casos da operação em Curitiba.

Após a publicação da reportagem, o ministro disse não ter visto “nada de mais”nas conversas. Nessa quinta-feira, ele ainda afirmou não temer a divulgação de novos diálogos e não lembrar-se de todas as falas atribuídas a ele. Assim como o MPF, Moro também alegou ter sido vítima de um ataque hacker.

Na manhã desta sexta-feira, Moro disse que pode ter cometido um “descuido formal” ao indicar uma testemunha no caso do tríplex, que culminou na prisão de Lula.