29 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

O que pode acontecer com Bolsonaro se condenado por crimes contra a humanidade

Brasil faz parte do Tratado de Roma e o Tribunal de Haia tem jurisdição em países membros

O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado por crimes contra a humanidade e genocídio no Tribunal Penal Internacional de Crimes de Guerra (TPI), com sede em Haia.

A ação, liderada por uma coalizão que representa mais de um milhão de trabalhadores da saúde no Brasil e apoiado por entidades internacionais, foi protocolada neste domingo.

A Rede Sindical Brasileira UNISaúde acusa o presidente de “falhas graves e mortais” na condução da resposta à pandemia de covid-19.

“No entendimento da coalizão, há indícios de que Bolsonaro tenha cometido crime contra a humanidade durante sua gestão frente à pandemia, ao adotar ações negligentes e irresponsáveis, que contribuíram para as mais de 80 mil mortes pela doença no país”. Denúncia contra Bolsonaro em Haia.

O negaciosismo e sabotagem de ações contra a pandemia são claro e evidentes. Até mesmo para seus apoiadores: uma gripezinha não mataria quase 90 mil pessoas, em uma contagem que não para de subir e afetou praticamente todo o mundo.

Vale lembrar: o Estatuto de Roma é um tratado que estabeleceu a Corte Penal Internacional – CPI (também conhecida como Tribunal Penal Internacional), e foi adotado em 17 de julho de 1998, em Roma, na Itália, tem o Brasil como membro.

Entretanto, não é tão certa ainda as consequência para o que pode acontecer ao presidente do Brasil, ou de qualquer parte do mundo, caso ele seja condenado no tribunal internacional de Haia.

Consequências

Por mais chocante que seja a notícia, é importante observar que Bolsonaro não está sendo denunciando no TPI, nem mesmo por algum tribunal de Haia. Essas alegações estão sendo levadas por um órgão não estatal.

Entretanto, será aberto um inquérito, o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, onde não há proteção jurídica nem imunidade para casos de competência pessoal (Ratione personae) ou material (Ratione materiae).

A primeira dessas imunidades, Ratione personae, protege contra a jurisdição de execução de qualquer país quando a pessoa é chefe de estado, chefe de governo ou ministro das Relações Exteriores. Já a material (Ratione materiae) protege contra a jurisdição de execução de qualquer outro estado por ações realizadas em qualquer momento da posição política.

O artigo 27 do Estatuto de Roma, sobre a Irrelevância da Qualidade Oficial, dispõe:

1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena.
2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não devem impedir que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.

Como o tratado está acima do direito internacional consuetudinário (os costumes, de onde vêm essas imunidades específicas), isso deve significar que os líderes das partes no Estatuto de Roma não podem invocar suas imunidades. Não haveria imunidade nesses casos.

No entanto, o Tribunal Internacional funciona através da aplicação de outros estados: basicamente, são os próprios governos locais que devem prender o supostos criminosos e extraditá-los para Haia.

O conceito das imunidades acima mencionadas em relação ao Tribunal Internacional foi, portanto, dividido em imunidade vertical (imunidade perante o tribunal) e imunidade horizontal (imunidade a outros estados).

Já foi sugerido que a imunidade horizontal impede os estados de prender chefes de estado devido à imunidade de pessoas competentes, mesmo em face de um mandado de prisão da Corte. Isso geralmente se deve à redação original do Estatuto de Roma, que afirmava:

“Quaisquer imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não podem impedir que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.”. Parágrafo 2 original do artigo 27.

Observe a remoção de “podem” no tratado moderno. Isso indica que, para a maioria dos estados e acadêmicos, a imunidade de chefe de estado foi escrita, especificamente no tratado moderno, para não ser dispensada por esta disposição.

No entanto, no parágrafo 120 de uma decisão considera controversa do órgão de apelação em 2019, chamada O Procurador contra Omar Hassan Ahmad Al-Bashir, o tribunal declarou:

A Câmara de Julgamento concluiu que o efeito do artigo 27 (2) do Estatuto sobre os Estados Membro do Estatuto de Roma é duplo: evita que invoquem qualquer imunidade pertencente a eles sob o direito internacional (i) ‘como fundamento por recusar a prisão e a entrega de uma pessoa procurada pelo Tribunal (efeito vertical); e (ii) “quando a cooperação na prisão e entrega de uma pessoa ao Tribunal for fornecida por outro Estado Membro (efeito horizontal)” . Enquanto a Câmara de Apelações, pelas razões expostas acima, discordar da Câmara de Pré-Julgamento constatando a existência de imunidade em relação a este Tribunal, confirma a exatidão da interpretação da seção anterior ao julgamento do artigo 27 (2) do Estatuto.

Ou seja: se nenhuma dessas imunidades se aplicar, como o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra declarou que não se aplica às partes no Estatuto de Roma, e ele for considerado culpado (o que exigiria a prova de que ele propositadamente pretendia exterminar um grupo), Bolsonaro nunca poderia ir para um país membro do Estatuto de Roma. E suas contas seriam congeladas.

Criminalmente, ou mesmo politicamente, Bolsonaro deveria se preocupar com o andamento do julgamento em Haia.

Além disso e mais importante, Brasil tem uma constituição quase-monista: algumas leis internacionais são internalizadas no Brasil. Se esse for o caso, internamente seria aberta novamente ação contra Bolsonaro. Isso depois que ele não for mais presidente.

Fuga do Estatuto

Claro, para fugir das sanções internacionais, há sempre a possibilidade de Bolsonaro retirar o Brasil do Estatuto de Roma. O país é signatário desde 2002, quando o Congresso Nacional aprovou o texto em junho de 2002, esse promulgado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 25 de setembro daquele ano.

Apoiado pelo Congresso ou não, a jurisdição para ações nos termos do Estatuto de Roma devem estar em conformidade com o Artigo 12: a ação deve ter sido realizada no território de um Estado Membro no Estatuto de Roma, ou o crime cometido por um nacional de uma parte do Estatuto de Roma .

Vale lembrar: seria discutível se isso ser feito após o início de uma investigação e prestes a chegar a um veredicto. Além disso, Bolsonaro admitiria culpa e condenação em Haia por genocídio, o que torna improvável a retirada do Brasil, pois as consequências políticas de tal admissão seriam terríveis. Tanto para o país, quanto para o presidente.

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