19 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
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Os números invisíveis das vítimas da cheia no sertão alagoano

É preciso fortalecer o apoio às vítimas, inclusive àquelas que não perderam suas casas, mas perderam tudo que tinha nelas.

Mais de 630 pessoas entram na conta da Defesa Civil estadual, que soma o total de desabrigados e desalojados deixados pela enchente que afetou duramente quatro municípios localizados no vale do Rio Ipanema, no sertão alagoano. Esta é a conta oficial; os números que viram estatísticas. Por traz deles existe uma conta invisível de outras centenas de famílias que viram tudo que tinham descer por água abaixo. Alguns não ficaram nem com uma cadeira no canto da sala, mas ficam fora das estatísticas das vítimas da cheia.

As imagens da força da água que começou a subir na noite de domingo (29) e atingiu o ápice na manhã da segunda-feira (30), são impressionantes. Casas desmoronando, móveis e eletrodomésticos sendo arrastados, pontes inundadas e o volume alargando, tomado as ruas das cidades e aprofundando o leito do rio, praticamente dobrando, em alguns pontos, o limite do nível de segurança para alagamentos, que é de 4.60m.

Fala-se que esta foi a maior cheia que a região já viu. Pior: muitas casas foram inundadas duas vezes, em menos de uma semana, e as famílias nem haviam, ainda, se recuperado do susto, menos ainda dos prejuízos sofridos.

Só em Santana do Ipanema, município mais afetado, 20 casas foram destruídas e mais de 100 foram danificadas. O cálculo da Defesa Civil, segundo o coordenador estadual, tenente-coronel Moisés Melo, considera que, nessa cidade, cerca de 600 ficaram desabrigadas ou desalojadas. Algumas se acomodaram provisoriamente em casa de parentes e voltaram quando a “maré” baixou, para limpar a lama, verificar os estragos e ganhar forças para recomeçar. Outras, nem tiveram mais casa para onde voltar.

Em Poço das Trincheiras, primeira cidade por onde o rio passa ao chegar em Alagoas – vindo de Pernambuco – 5 casas foram arrastadas pela correnteza, deixando 15 pessoas desabrigadas, segundo a Defesa Civil estadual. No município de Batalha, foram 4 casas danificadas e em Belo Monte, outras 2 destruídas. Cerca de 10 pessoas desabrigadas nas duas cidades e dezenas desalojadas.

Não contam aquelas que, mesmo no dia seguinte, passada a tempestade e com o rio de volta ao seu nível de segurança, não puderam voltar para o seu lar, devido à lama, às avarias do imóvel – portas derrubadas, muros caídos, paredes encharcadas e estrutura abalada pela força da água.

Há uma legião oculta nos números oficiais, de pessoas que não viram a casa cair, mas que perderam roupas, suprimentos, documentos, moveis, eletrodomésticos, pratos, panelas… e nem sabem como recomeçar. Não entram, oficialmente, nas estatísticas dos que precisam de ajuda, embora a maioria acabe sendo contemplada pela rede de solidariedade que já se movimenta naquela direção.

Por enquanto, apenas Santana do Ipanema teve decretada situação de emergência por 90 dias, que já começaram a contar desde a semana passada, na primeira cheia do rio. Portanto, é o único habilitado para receber, por exemplo, ajuda federal de emergência. Mas, e os outros? Nem se fala. E as famílias que perderam tudo na cheia? É preciso torná-las visíveis.

Até para que, mesmo não sendo contempladas com as ações de assistência dos organismos oficiais, sejam alcançadas pelas ações de solidariedade que lhes permita iniciar o processo de recuperação. Existem algumas ações em andamento: grupos e instituições recebendo donativos que serão encaminhados às vítimas da cheia no sertão alagoano. A Defesa Civil estadual, localizada no Parque Gonçalves Ledo, e a Associação dos Municípios Alagoanos, na Rua Dom Antônio Brandão (ali pertinho), são dois desses pontos de recolhimento e entrega.

Existem também ações voluntárias individuais, de empresas, de condomínios, para levar roupas, material de higiene, colchões, alimentos, toalhas, lençóis, sobretudo para quem já tinha pouco e perdeu tudo.

O rio baixou, mas o drama não acabou. É fundamental manter o apoio e a assistência dos órgãos oficiais a todas as pessoas atingidas e, principalmente, fortalecer a rede de solidariedade extraoficial às vítimas dessa cheia que ainda encharca as ruas, as casas, os pequenos e grandes negócios no Vale do Ipanema. Ainda é muito cedo para esquecer o estrago que enchente causou.