20 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Se achando um monarca ferido, Bolsonaro atiça reação das “hienas”

Vídeo termina com a chegada de outro leão, “conservador patriota”, pedindo proteção ao presidente

No vídeo, um rei das selvas velho e, aparentemente, ferido e combalido. Ao seu redor, um bando de hienas, predadores com predileção às presas mais fáceis de ser caçadas, muitas vezes atacando animais doentes – ou mesmo roubando a caça de outros predadores. E nas redes sociais oficiais do presidente Jair Bolsonaro, nesta segunda (28), a legenda diz que ele é o leão e que as hienas são “a esquerda”.

Além do STF, entre as hienas exibidas no vídeo compartilhado pelo presidente aparecem a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o PSL (seu partido, com o qual trava uma disputa há dias), legendas de esquerda (como PT e PSOL) e veículos de imprensa.

O vídeo termina com a chegada de outro leão, “conservador patriota”, e com um apelo: “Vamos apoiar o nosso presidente até o fim e não atacá-lo”. “Já tem a oposição pra fazer isso!”

Patético.

Jair Bolsonaro (PSL) se comparou a um leão acossado por hienas que o atacam. Uma delas representa o STF (Supremo Tribunal Federal). O vídeo foi retirado pouco tempo depois de sua conta no Twitter, após repercussão negativa, mas o impacto no Poder Judiciário permaneceu. O ministro Celso de Mello, decano da corte, disse que a postagem evidencia que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites”.

“É imperioso que o senhor presidente da República —que não é um ‘monarca presidencial’, como se o nosso país absurdamente fosse uma selva na qual o leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados— saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a magistratura do Brasil”. Celso de Mello, decano do STF.

A postagem causou mal-estar também entre outros ministros do Supremo. Integrantes da corte disseram ao Palácio do Planalto de que o filme era despropositado. E classificaram a publicação como infantil, dizendo que o governo precisa chegar à vida adulta.

A OAB não se manifestou, mas um conselheiro federal classificou o vídeo como desapreço pela democracia. A publicação também inflamou os ânimos da ala do PSL ligada ao presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE).

Na legenda, o vídeo foi classificado como um tiro no pé do clã Bolsonaro. A avaliação é a de que o governo tem como única marca a discórdia. No Twitter, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, reagiu ao vídeo afirmando que “Deus limitou só a inteligência”. “A burrice é ilimitada.”

Bolsonaro postou o vídeo em meio às vitórias da esquerda e manifestações de rua em países da América Latina. “Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador… Mais que a vida, a nossa liberdade. Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!”, escreveu o presidente.

Bolsonaro abandona entrevista

O presidente abandonou hoje entrevista em Riade, capital da Arábia Saudita, à imprensa brasileira ao ser questionado sobre a crítica do ministro Celso de Mello.

Ao sair do hotel onde está hospedado para compromisso com membros da realeza saudita, Bolsonaro comentou sobre as expectativas da visita oficial e do jantar ontem à noite com o príncipe herdeiro do país, Mohammed bin Salman. Quando um repórter fez menção ao Celso de Mello, porém, interrompeu a entrevista e se retirou do local.