16 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Sem investigação, MPF denuncia Glenn Greenwald e outros seis por invasão de celulares

Despacho de Gilmar Mendes determinava que autoridades públicas e seus órgãos de apuração se abstivessem de “praticar atos que visem à responsabilização do jornalista”

O Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal denunciou nesta terça-feira (21) sete pessoas por crimes relacionados à invasão de celulares de autoridades brasileiras. Entre os denunciados, seis seriam integrantes de um grupo de hackers.

O sétimo é o jornalista americano Glenn Greenwald, fundador do The Intercept Brasil, site de notícias que fez uma série de reportagens conhecida como “Vaza Jato”, a partir de diálogos privados envolvendo a força-tarefa da Operação Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública.

Greenwald foi denunciado apesar de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ter proibido investigações sobre seu trabalho como jornalista, já que a Constituição brasileira protege o sigilo da fonte.

O entendimento do ministro é que o oferecimento da denúncia é um ato que visa à responsabilização do fundador do site The Intercept Brasil.

O despacho de Gilmar determinava justamente que as autoridades públicas e seus órgãos de apuração se abstivessem de “praticar atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”.

Por meio de nota, o The Intercept Brasil manifestou “perplexidade” e disse que a própria Polícia Federal analisou o diálogo citado na denúncia e concluiu não haver indício de crime contra o jornalista.

“Causa perplexidade que o Ministério Público Federal se preste a um papel claramente político, na contramão do inquérito da própria Polícia Federal. Nós do Intercept vemos nessa ação uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas de todo o jornalismo brasileiro. Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse”. Nota do The Intercept.

Denúncia do MPF

O MPF acusa Walter Delgatti Netto e Thiago Eliezer Martins Santos de serem os líderes do grupo que teria interceptado conversas particulares de autoridades por meio do aplicativo Telegram. Danilo Cristiano Marques seria o “testa-de-ferro” de Delgatti Netto, “proporcionando meios materiais para que o líder executasse os crimes”.

Gustavo Henrique Elias Santos, por sua vez, é acusado de ser o programador que desenvolveu técnicas que possibilitaram a invasão do Telegram. Além disso, também seria o responsável por executar fraudes bancárias. Suelen Oliveira, esposa de Gustavo, é apontada como laranja que “recrutava” nomes para “participarem das falcatruas”.

O procurador diz ainda que Molição “invadia terminais informáticos, aconselhava Walter sobre condutas que deveriam ser adotadas e foi porta-voz do grupo nas conversas com Greenwald”.

A denúncia traz a transcrição de um diálogo que teria ocorrido entre Molição e Greenwald no dia 7 de junho de 2019, dois dias depois de a imprensa brasileira noticiar uma tentativa de invasão do telefone do ministro Moro, e dois dias antes de o Intercept Brasil ter começado a publicar a série que revelava possíveis ilegalidades na Operação Lava Jato.

Molição manifestou preocupação de que as notícias de que várias autoridades estavam sendo hackeadas fossem usadas para “desmoralizar” o conteúdo das reportagens e que o grupo teria obtido as conversas em outubro de 2018, acessando o conteúdo do Telegram que fica gravado na “nuvem” do aplicativo, fora dos aparelhos celulares.

Sobre essa questão, aponta a transcrição, Greenwald respondeu que poderia ser “uma coincidência” que outra pessoa estivesse tentando hackear as autoridades no momento em que o Intercept estava pronto para publicar o material.

“E nós vamos deixar muito claro que nós recebemos tudo muito antes disso (as notícias de hackeamento), e não tem nada a ver com isso, entendeu?”. Gleen Greenwald, jornalista segundo a transcrição.

Em outro trecho do diálogo exposto na denúncia, Molição pergunta se deveria baixar mais conversas do Telegram de pessoas interceptadas antes da publicação das reportagens. Segundo a transcrição, o jornalista não responde a essa consulta e recomenda que o grupo apague o conteúdo que já lhe foi passado.

“Nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles podem descobrir ‘o identidade’ de nossa fonte. Então, para gente, nós vamos… como eu disse não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro… se precisarmos. Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?”. Gleen Greenwald.

Para o MPF, a conversa mostra que Greenwald “foi além (da sua atuação de jornalista) ao indicar ações para dificultar as investigações e reduzir a possibilidade de responsabilização penal”.

Por isso, o procurador o denuncia pelo crime de organização criminosa. Os demais foram denunciados pelo mesmo crime e também por lavagem de dinheiro.