19 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Vaza Jato: Deltan pediu e Moro garantiu verba ilegal para produção de vídeo

Procurador pediu verbas para produzir vídeo de R$ 38 mi para ser exibido na Rede Globo

A Vaza Jato continua e desta vez diálogos inéditos ,mantidos entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, revelam agora o uso de recursos financeiros recolhidos à 13ª Vara Federal de Curitiba.

Moro, que como juiz deveria estar isento, participava mesmo ativamente do planejamento das operações. Isso apesar de tanto Moro como os procuradores dizerem não reconhecer como autêntico o material que vem a público. Mas eles também não negam a sua veracidade.

No dia 16 de janeiro de 2016, Deltan envia uma mensagem a Moro com um pedido realmente inusitado. Segue o diálogo, conforme o original:

  • 13:32:56 Deltan – Vc acha que seria possível a destinação de valores da Vara, daqueles mais antigos, se estiverem disponíveis, para um vídeo contra a corrupção, pelas 10 medidas, que será veiculado na globo?? A produtora está cobrando apenas custos de terceiros, o que daria uns 38 mil. Se achar ruim em algum aspecto, há alternativas que estamos avaliando, como crowdfunding e cotização entre as pessoas envolvidas na campanha.
  • 13:32:56: Deltan – Segue o roteiro e o orçamento, caso queria [buscou escrever “queira”] olhar. O roteiro sofrerá alguma alteração ainda
  • 13:32:56: Deltan – Avalie de modo absolutamente livre e se achar que pode de qq modo arranhar a imagem da LJ de alguma forma, nem nós queremos
  • 13:35:00: Deltan – pdf
  • 13:35:28: Deltan – pdf

No dia seguinte, 17 de janeiro de 2016, Moro responde:

  • 10:20:56 Moro  Se for so uns 38 mil achi [quis escrever “acho”] que é possível. Deixe ver na terça e te respondo.

Os horários das mensagens de Deltan são os mesmos pois estas foram encaminhamentos,

Vale mencionar que uma vara federal, como qualquer outra, não dispõe de recursos destinados a atos publicitários. No entanto, Deltan se refere a valores específicos, de que ele e Moro têm conhecimento, “daqueles mais antigos”,  e que são aplicados à margem da lei. Em qualquer ângulo de interpretação, trata-se de uma ilegalidade.

As tais 10 medidas, que chegaram ao Congresso na forma de uma emenda de iniciativa popular, saíram da cabeça de Deltan e amigos. Ele não teve dúvida: resolveu avançar no cofre da 13ª Vara Federal de Curitiba, com o que concordou Sergio Moro. Procurador e juiz discutem o uso de dinheiro público para financiar uma campanha que propõe ilegalidades escancaradas.

A produtora Deiró confirma o envio do orçamento, reproduzido por Reinaldo Azevedo, em parceria com o The Intercept, e que integra o conjunto de mensagens trocadas entre Deltan Dallagol e Sergio Moro. A empresa, no entanto, diz não ter participado da feitura do vídeo; o acordo não prosperou. E o vídeo, apesar disso, foi feito.

Roteiro do vídeo

Dez Medidas Contra a Corrupção

Roteiro 30″
“Engravatado”

Cena de madrugada, numa casa de família de classe média. O silêncio deixa claro que a família está dormindo. O trinco da porta da cozinha se mexe e um homem de terno e gravata entra na casa.

Ele mexe na geladeira e começa a jogar fora toda a comida da família. Ouvimos a locução em off:
– A corrupção atinge a sua vida de tantas formas que você nem percebe,

Se dirige ao banheiro e pega vários frascos de remédios, jogando-os fora também. Corta para imagem do casal, que dorme sem perceber nada.
– desviando recursos que deveriam ir para a saúde,

O homem entra no quarto das crianças, que dormem quietas. Ele pega os livros nas mochilas delas e rabisca todos eles, rasgando as páginas também.
– para a educação

Ele segue para o quarto do casal, que continua dormindo. Antes de entrar, engatilha um revolver.
– ou para a segurança.

O homem entra, a porta do quarto se fecha e a tela fica escura.
– É hora de acordar.

Na tela preta entra o lettering: 10 Medidas Contra a Corrupção.
– Ajude a campanha 10 Medidas Contra a Corrupção a virar lei.

Telas de assinatura com logo e site: www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas
– Acesse o site, conheça as medidas e assine o projeto que pode acabar com a corrupção no país.

Fica apenas a marca do projeto:
– Não desista do Brasil.

Fundação bilionária

Deltan é o mesmo que costurou com autoridades americanas a criação de uma fundação de direito privado, que seria formada com metade dos R$ 2,5 bilhões de multa devida pela Petrobras nos EUA, mas que acabou sendo recolhida no Brasil. Os outros 50% também ficariam sob gerenciamento de tal ente para eventuais reparações judiciais.

A dita fundação, contra a qual se insurgiu a Procuradoria-Geral da República, que nem consultada fora a respeito, foi homologada pela juíza Gabriela Hardt, que assumiu como interina a 13º Vara Federal de Curitiba quando Moro a deixou porque aceitou o cargo de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro.

Como se vê, a juíza entende que a multa paga pela Petrobras deveria servir como uma espécie de compensação para o que considera “investimentos públicos escassos” no combate à corrupção. Também ela avalia que um magistrado pode decidir, por sua conta, como resolver os problemas de orçamento da Justiça e do Ministério Público. Ainda que rasgando a lei.

E como eles tratavam abertamente de R$ 38 mil, poderiam perfeitamente tratar R$ 2,5 bilhões. Por sorte, o ministro Alexandre de Moraes pôs fim à farra, depois de provocado pela Procuradoria-Geral da República, concedendo uma liminar suspendendo a homologação. A força-tarefa acabou desistindo de ser responsável pela quantia bilionária.