27 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
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Vídeo da reunião não mudará opiniões, mesmo com tudo o que fora jogado no ventilador

Apoiadores e detratores do presidente vão apenas reforçar seus sentimentos para com o atual governo. E quem já amava, amará mais ainda

Demorou alguns dias, mas nesta sexta-feira (22) o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, usado como prova após o ex-ministro Sergio Mouro acusar o presidente Jair Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia Federal, foi divulgado. E convenhamos: politicamente, nada de novo aconteceu.

Mesmo com as linguagens chulas, a desconexão com a realidade e total ignorância para com a pandemia, o vídeo liberado pelo ministro do STF, Celso de Mello, não fará diferença no inquérito E muito menos no entendimento de quem apoia ou critica o presidente.

Aos jornalistas, na mesma noite, Bolsonaro reiterou que lá não havia nada contra ele. E como “não tinha referências à PF”, afirmou que o vídeo não tinha nada de explosivo. Que não foi nem mesmo um tiro. Fora um traque, segundo ele.

Mas dá pra ir além. O vídeo, na verdade, foi um flato de um coprófilo que já estava borrado. Aliás, se for pra usar o tom chulo e impróprio da reunião ministerial, foi mesmo um “peido de quem já lida com merda e estava cagado”.

Durante dias criou-se ansiedade por um lado, e receio pelo outro, quando à divulgação do vídeo. O primeiro grupo esperava por uma oportunidade para ver Bolsonaro indo além de seu normal. O segundo grupo temia pela repercussão negativa entre seus aliados, não só por causa das falas do presidente, mas também pelas de seu ministros.

Deu que a previsão de nenhum dos lados se concretizou. Até mesmo o discurso à imprensa, em que o presidente fugiu do tema da redação e declarou seu amor (não correspondido) ao juiz Sergio Moro foi mais vergonhoso e vexatório do que essa reunião ministerial.

Primeiro porque não houve nada de diferente lá: Bolsonaro e sua equipe foram os mesmos de sempre. Tirando os palavrões, não houve nada de novo.

Para quem já viu ele perguntando quantas arrobas pesa um negro, dizendo que uma mulher em particular ele não estupraria, elogiando torturador, rindo do tamanho do dote de um japonês, aos gritos mandando a imprensa calar a boca, fazendo pouco caso de uma pandemia e receitando um remédio que mais mata do que cura, tudo ali foi mais do mesmo.

Segundo porque apenas fortaleceu Bolsonaro. Reforçou que ele e sua equipe são pessoas “honestas”, que não “falam para as câmaras” e ao contrário dos demais políticos nacionais agem como são, pois são “sinceros” e “verdadeiros”.

O vídeo reforçou um presidente “gente como a gente”, que é contra o establishment (ou “staiblish”), é patriota, manda tudo para puta que pariu, quer armar a população contra a “ditadura da esquerda” e está pouco se lixando para quem não está alinhado com ele. E que a questão para se manter no cargo é uma luta pela liberdade, pois deixar de ser presidente resultaria em sua prisão.

No restante do vídeo há mais absurdos, como Weintraub esculhambando Brasília e os ministros do STF, Damares querendo manter foco na luta contra aborto, o presidente da Caixa criticando abertamente empresas em dificuldade, Salles querendo se aproveitar da pandemia para passar uma série de leis prejudiciais à questão ambiental…

Pare para pensar um pouco e retorne ao parágrafo anterior: consegue imaginar alguém mudando de opinião mesmo com isso tudo? Quem não apoiava, não viu nada de novo. Quem apoia, vai passar a idolatrar mais ainda.

Ao final do dia, nada de novo aconteceu. O inquérito vai continuar na mesma tocada, de quando era público apenas as falas, não áudio e imagem como agora. E os absurdos da vez, como sempre, serão soterrados pelas próximas crises.

E o conteúdo jogado no ventilador só veio acrescentar ao que já havia sido espalhado como um fractal fecal de Jackson Pollock. Foi só mais do mesmo.

Convenhamos, mais merda do mesmo. Daquelas que já estávamos acostumados e, portanto, não provocará nenhuma mudança de pensamento. Pelo contrário: só fortalece a base do presidente. Pelo menos atá a próxima crise.